DIOGO NAVARRO |
[piso 0] Exposição Live Act Inaugura a 21 de Outubro às 21h30 e termina a 15 de Janeiro
O Diogo Navarro, a partir do que pinta, chega muitas vezes à noção de música, como texto dado à interpretação de quem quer olhar para o que escreveu com pinceis e tintas, ou como quando se encontra em Moçambique com um Elvis africano, que dedilha na guitarra partituras de vida e de sonhos. Há sempre uma paráfrase no que pinta porque ele é capaz de preservar sempre o significado essencial daquilo que quer dizer pintando, enquanto permite ao outro, sempre enquanto outro, que o possa interpretar e sentir à sua maneira. De outras vezes é emoção, contraste, a ligação das suas obras como olhares espalhados pelo mundo, e pelo seu Mundo, onde se perfaz como texto presente e passado do acto de pintar, que sabe que é pintando que a si se pinta, à medida que vai entrando no mar como num pensamento, com as correntes ventos e marés num constante diálogo, pré figurado numa boia, a ir sobre as águas que lhe vão mudando os pensamentos, e que são percursos que começam sempre nele e a ele voltam sempre numa circularidade estonteante. E fica nesta nostalgia da verdade, a pintar por intuição, olhando ternamente para o que primeiro pintou com 4 anos e ofereceu ao Avô, enquanto hoje vai criando geometrias próprias, ao olhar a tela de uma forma oblíqua e que, se começa por ser a cabeça de um cavalo, com quem dialoga e pode acabar por ser uma bailarina, num pas de deux, que o enleva e leva ao êxtase de se sentir a sentir-se. E distorce de propósito o desenho, dando-lhe estruturas piriformes, lembrando a sacerdotisa de Apolo em Delfos, mas também antropomórficas, num mundo turvo e sem definição nem limites, como uma ausência, sim, o Diogo Navarro, como que pinta a ausência a várias dimensões, que às vezes são metáforas, e outras o esqueleto descarnado de um olhar outro, sobre si e sobre o que pinta. Começou em África aos 4 anos, e voltou a Africa várias vezes como que na vivência do mito do "eterno retorno" em que volta sempre a casa, num "Buya kaya" indígena que o transcende e o eleva a céus de plenitude num" kwela" que aprendeu a dizer por lá e que significa subida, ascensão. E espera que alguma coisa aconteça numa circularidade que desenha, numa interiorização do círculo, onde entra e sai, e em que os corações bailam e Atlas leva aos ombros o mundo que teima em conhecer. E a boia sai de casa, é lançada de um barco sem marinheiro em que a "Buya kaya", é feita de "Kwela" sobre os rios da sua imaginação sempre em busca de uma rua que não tem fim, a não ser dentro de si e que guarda ciosamente na sua timidez. Pertence ao que pinta, mas também pertence ao mundo, porque é um espírito livre, rebelde em que a moral cai aos pés do que pensa ser o seu dever e a sua consciência, exemplo do que a inteligência, a criatividade e a alma humana podem gerar quando tentadas à perfeição. No princípio era a pintura e todos os maiores talentos da pintura se debruçaram sobre aquele organismo vivo e multifacetado, feito de mãos, pinceis e espátulas, tintas, terra e areia das praias, sempre na tentativa de conhecer as suas zonas de sombra e de luz, as suas sinuosidades, na medida e enquanto está sempre a inventar pintura. Há também presente uma relação entre o que pinta e a imagem filmada onde a imaginação cria sempre a realidade, e as realidades por onde vai saltitando de uma realidade para outra, com a liberdade que só os verdadeiros exploradores podem ter. E os vídeos mostram-no a ser, não um pintor, mas uma pessoa que pinta a pintura. A arte em Diogo Navarro não se faz, pensa-se e quem o vê sente-se perdido em pensamentos vários, de quem procura perceber o que estaria ele a pensar enquanto pintava, enquanto tudo nele é aventura, amizade, viagens muitas vezes perigosas, e a memória como única salvação, que permite compreender a realidade, a sua, as suas, até sentir dor e por fim conhecer a identidade da pessoa e do mundo que o rodeia, pelos mais variados pontos que a boia vai percorrendo, num live act onde encontra a forma de mostrar a vida, de cabelos e barbas compridas e em desalinho, como as dos portugueses de quinhentos, ou como os homens e as crianças que encontra nas áfricas que percorre também, sempre à procura da casa-mãe, das águas que o fazem voltar ao líquido amniótico que o gerou. E é de mar que se faz e se desfaz, que pinta e volta a pintar numa incansável busca de si, em tudo o que em si é vida.
José Manuel Arrobas
Este quadro também se liga à palavra indígena, Buya, que quer dizer, regressar, "voltar" (em Moçambique). Ora Diogo Navarro ao visitar o Lago Volta, no Gana, pintou com crianças resgatadas da escravatura a que os próprios pais, ao vendê-las, as condenam sistematicamente a partir dos 4 ou 5 anos a trabalharem na pesca que se faz nas ilhas dispersas pelo grande Lago Volta. Diogo Navarro vive a circularidade, ou esse célebre mito do Eterno Retorno, indo a África e voltando repetidas vezes, tal como estas crianças, que depois de serem resgatadas, voltavam a ser vendidas, prisioneiras da sua própria história. Foi constatando isso que a Touch A Life for Kides e a Associação Filhos do Coração, os passou a abrigar numa casa onde são educados e alimentados e onde a arte é a linguagem mais comum, porque universal. Aqui o já adolescente Baba e outras crianças, ajudam o Diogo Navarro a pintar este quadro, enquanto talvez se possam ir a pouco e pouco libertando dos seus fantasmas, onde a deusa Fortuna, não os contemplou.
DIOGO NAVARO
|